Identificação da propaganda eleitoral antecipada: A propaganda eleitoral antecipada é tradicionalmente identificada por dois pressupostos cumulativos e dois requisitos (alternativos). A eles acrescenta-se um elemento valorativo de fundamental importância que, tanto na modalidade antecipada, quanto na de campanha, abala a isonomia do pleito, podendo configurar ilícito de cassação pela caracterização de abuso de poder.
Pressupostos = anterior a 16/08 + conteúdo político-eleitoral
Requisitos = pedido explícito de voto (admitida a inferência, como nos casos de: apoie e eleja) OU local, forma, meio ou instrumento proscritos no período de campanha
Elemento valorativo - ELEMENTO ECONÔMICO: custos moderados e proporcionais
Pressupostos: São os elementos indicadores de que o ato que se veicula pode ser uma propaganda eleitoral e que ela é realizada em momento antecipado: conteúdo político-eleitoral* e realização do ato em data anterior a 16 de agosto de 2024.
Os pressupostos não configuram, por si só, propaganda eleitoral antecipada irregular. Apenas funcionam como elementos cumulativos cuja ausência, por si só, eliminará a possibilidade de se tratar de ato irregular de campanha. A presença, por sua vez, permitirá a análise.
*É definido em resolução como “[...] aquele que versar sobre eleições, partidos políticos, federações e coligações, cargos eletivos, pessoas detentoras de cargos eletivos, pessoas candidatas, propostas de governo, projetos de lei, exercício do direito ao voto e de outros direitos políticos ou matérias relacionadas ao processo eleitoral [...].” (art. 27-A, § 1º da Resolução TSE 23.610/2019).
NA PRÁTICA
Propaganda eleitoral antecipada irregular: A data de realização é um pressuposto para a configuração de propaganda eleitoral antecipada irregular, não um requisito, porque, conforme a definição de conteúdo político-eleitoral, vários tipos de propaganda eleitoral são permitidos durante a pré-campanha. Dito de outra forma, não basta que a propaganda seja anterior a 16/08, porque há propagandas (que são definidas pelo conteúdo político eleitoral) permitidas antes de 16/08, como os atos de pré-campanha, em regra.
Por esse motivo, nos julgamentos do TSE, é comum não se mencionar mais propaganda eleitoral antecipada, mas sim propaganda eleitoral antecipada irregular.
Requisitos: Presente o pressuposto, basta a identificação de um requisito para a ocorrência de propaganda eleitoral antecipada irregular. São requisitos:
a) Pedido explícito de voto, sendo possível inferir quando são utilizados termos como "apoie", "eleja"... - essas palavras ("palavras mágicas") foram retiradas de um julgamento do TSE que ampliou a definição de "pedido explícito de voto", com base em decisões do direito comparado (americano). No entanto, observe que um pré-candidato pode solicitar apoio político, o que dificilmente geraria irregularidade com o uso do termo "apoie";
b) local, forma, meio ou instrumentos proscritos na campanha: se é proibido na campanha, com maior razão antes dela.
NA PRÁTICA
Não ostentam conteúdo político eleitoral: Um exemplo claro de propaganda eleitoral antecipada ocorre quando esta é veiculada antes de 16 de agosto de 2024. No entanto, a determinação de sua irregularidade depende de o conteúdo veiculado ser político-eleitoral. Alguns exemplos que não configuram propaganda eleitoral antecipada, de acordo com o TSE:
a) felicitações;
b) promoção pessoal, mesmo em outdoors;
c) comentários de eleitores em redes sociais, exceto se houver evidência de uma ação coordenada;
d) posicionamento do candidato sobre questões políticas;
e) exposição de plataformas de governo;
f) identificação como pré-candidato (há decisões que não consideraram irregularidades, mesmo em postagens com foto e número);
g) adesivos com números em automóveis;
h) pedido de apoio político (e não apoio eleitoral).
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Também não configuram propaganda eleitoral antecipada, mesmo quando a veiculação se dá por outdoor:
a) parabenização pelo aniversário da cidade;
b) felicitações de fim de ano;
c) homenagem ao dia das mães;
d) saudação ao dia das mulheres;
e) homenagem a partido político por seu aniversário;
f) conclamação pelo combate ao desemprego;
g) posicionamento pela recuperação do valor do salário mínimo.
Elemento econômico: Observe-se que o Ministro Barroso chega a incluir o elemento econômico (igualdade entre os candidatos) como requisito da propaganda antecipada e, na sequência, trecho de segundo precedente que confirma a tendência jurisprudencial:
(...) 3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve-se considerar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita:
(i) a presença de pedido explícito de voto;
(ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou
(iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.
(Agravo de Instrumento nº 060009124, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Tomo 25, Data 05/02/2020)
(...) 6. A propaganda eleitoral antecipada massiva, mesmo que não implique violação explícita ao art. 36-A da Lei nº 9.504/1997, pode caracterizar ação abusiva, sob o viés econômico, a ser corrigida por meio de ação própria. (Recurso Ordinário nº 060161619, Acórdão, Relator(a) Min. Og Fernandes, Publicação - DJE: Diário da justiça eletrônica, Tomo 244, Data 19/12/2019)
Sanção: A sanção consiste em multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou o equivalente ao custo da propaganda, se este for maior (arts. 36, § 3º da Lei 9.504/1997 e 2º, § 4º da Resolução TSE 23.610/2019).
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Pedido explícito de votos e rede social: José Jairo Gomes (2024, p. 427), menciona interessante caso em que "[...] mesmo tendo havido “pedido explícito de voto”, já entendeu o TSE não caracterizado o ilícito de propaganda antecipada quando tal pedido for efetuado em ambiente restrito de aplicativo de mensagens como o WhatsApp (ou outro similar, como o Telegram), pois nesse caso a comunicação não objetiva “o público em geral, de modo a macular a igualdade de oportunidade entre os candidatos, mas apenas os integrantes daquele grupo, enquanto conversa circunscrita aos seus usuários, alcançada, nesta medida, pelo exercício legítimo da liberdade de expressão” (TSE – REspe no 13351/SE – DJe, t. 157, 15-8-2019, p. 51-52).
Impulsionamento de conteúdos/repositório de acesso público: Mesmo antes do período de permissão da propaganda, os provedores de aplicação que prestem serviço de impulsionamento de conteúdos político-eleitorais ou de priorização de resultado de busca deverão manter repositório de acesso público com dados referentes a contratantes e valores gastos, além de outras informações (arts. 3º C e 27-A, I da Resolução 23.610/2019).
Conteúdos sintéticos gerados por inteligência artificial: Conteúdos sintéticos criados por inteligência artificial precisam ser claramente identificados. Chatbots não podem se passar pelo candidato ou por uma pessoa real. Além disso, é proibido divulgar conteúdos notoriamente inverídicos ou descontextualizados que possam prejudicar o equilíbrio da eleição ou sua integridade (arts. 3º C, 9-B, caput e §§ e 9º C da Resolução 23.610/2019).
NA PRÁTICA
Consequências de veiculação de conteúdo sintético irregular: Se houver irregularidades nas contratações de impulsionamento de conteúdos ou na geração de conteúdo sintético por inteligência artificial, além da multa pela propaganda irregular, tanto o responsável quanto o candidato, se estiver ciente, se sujeitarão às seguintes consequências:
a) remoção imediata do conteúdo ou indisponibilidade do serviço de comunicação, iniciada pelo provedor ou pelo juízo;
b) investigação por abuso de poder político ou uso indevido dos meios de comunicação social, podendo resultar em ações de cassação;
c) apuração da possível ocorrência do crime previsto no art. 323, § 1º do Código Eleitoral;
d) outras medidas, conforme a necessidade do caso específico.
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Indiferente eleitoral: Explana Olivar Coneglian, na esteira da cognominada “teoria do gancho”, que para uma mensagem anterior à eleição ser caracterizada como propaganda eleitoral antecipada, deve ela levar o eleitor a pensar na próxima eleição, estando a ela diretamente atrelada. Como ilação, se a mensagem fizer referência a outra finalidade ou a conteúdo eminentemente propagandístico, por exemplo, ela deve ser entendida como um evento irrelevante para o direito eleitoral, uma vez que não atingirá o bem jurídico tutelado pela norma, que é a paridade de armas entre os postulantes. É o que a jurisprudência do TSE denominou “indiferente eleitoral”,414 ou seja, quando a mensagem.
veiculada não está relacionada à disputa, de modo que a ausência de conotação eleitoral conduz à não incidência da multa prevista no art. 36, §3º, da Lei das Eleições.
Cabe realçar, nessa esteira de intelecção, que o TSE também fixou entendimento no sentido de que a divulgação de mensagem de agradecimento, saudação ou homenagens por meio de outdoor, sem referência, ainda que subliminar, a pleito vindouro, não configura propaganda eleitoral antecipada.
Igualmente, a utilização de página pessoal de candidatos na internet não caracteriza propaganda extemporânea quando eles a utilizam para mostrar suas atividades e bibliografia, por exemplo. No entanto, se determinado candidato veicular, antes do período eleitoral, mensagens que contenham pedidos de votos, tal ato será caracterizado como propaganda irregular.418 Ademais, o TSE entende que, na internet, a livre manifestação do pensamento, devidamente identificada, sem pedido expresso de voto, não caracteriza propaganda eleitoral antecipada.
Após uma guinada jurisprudencial, passou-se a perquirir a existência de equivalentes semânticos ou o uso das ditas “palavras mágicas” na estruturação do conteúdo veiculado antes do dia de agosto do ano de eleição. 421 Para o TSE, ainda que não haja pedido explícito de voto, a propaganda antecipada resta caracterizada quando o veículo de manifestação se dá pela utilização de formas proscritas, ou são utilizadas técnicas de comunicação equivalente ao pedido explícito de voto, como exemplo, a utilização das seguintes palavras: “apoiem” e “elejam”, ou seja, que conduzam à conclusão de que o emissor defende a sua vitória.422 Então, hoje, a utilização de frases como “conto com o seu apoio”; “conte comigo”; “quero pedir o apoio de todos vocês e de seus familiares” e “conto com o apoio de vocês para darmos sequência aos nossos projetos” configura propaganda eleitoral extemporânea.
Responsabilidade por propaganda antecipada: Com José Jairo Gomes (2024, 430-431), podemos afirmar:
"No tocante à responsabilidade, o § 3o do art. 36 da LE prevê sanção de multa a ser imposta a quem divulgar propaganda antecipada. A ação de divulgar compreende a de criar a publicidade. Se a divulgação for feita por partido político (ou com sua colaboração ou conivência), nada impede seja ele sancionado. Também o beneficiário pode ser responsabilizado, mas para tanto é preciso que se comprove que teve prévio conhecimento do fato.
Se a divulgação for feita por várias pessoas, entre elas haverá solidariedade. Frise-se, porém, que no presente contexto a solidariedade não apresenta o mesmo significado que lhe empresta o Direito das Obrigações, ou seja, o dever de cada qual dos codevedores cumprir integralmente a prestação obrigacional se assim o exigir o credor (CC, art. 275). Diferentemente, aqui a solidariedade consubstancia o princípio pelo qual a responsabilidade pelo ilícito deve ser imputada a todos os agentes. Uma vez afirmada, deve a sanção ser aplicada integral e autonomamente. Isso porque a multa é sempre individualizada, não existindo “multa solidária” a ser repartida entre os diversos infratores.
A responsabilização do beneficiário depende da comprovação de que teve prévio conhecimento da propaganda irregular. Será preciso demonstrar que sabia de sua existência. Tal exigência visa evitar que o pré-candidato seja vítima de adversários políticos que, para prejudicá-lo, poderiam fazer veicular propaganda irregular em seu nome. Nesse caso, injusta e injurídica seria a penalização da vítima.
Observe-se, porém, que o prévio conhecimento pode ser afirmado em situações como as seguintes: (a) sempre que o beneficiário seja o responsável direto pela realização da propaganda ou dela participe; (b) se as circunstâncias e as peculiaridades do caso concreto revelarem a impossibilidade de o beneficiário não ter tido conhecimento da propaganda; (c) se o beneficiário for notificado da existência da propaganda irregular e não providenciar sua retirada ou regularização no prazo especificado na notificação.
O condicionamento da responsabilidade ao prévio conhecimento da publicidade eleitoral revela que o legislador esposou o princípio da responsabilidade pessoal, afastando a objetiva. Por conseguinte, não poderia o beneficiário ser responsabilizado por eventuais, solitárias e espontâneas manifestações de terceiros em prol da candidatura."