4.3 DEVER DE TRANSPARÊNCIA
Premissas: É necessário estabelecer algumas premissas importantes. O conteúdo gerado por inteligência artificial, modalidade de conteúdo sintético, é, em regra, lícito, desde que respeite as regras de identificação conforme a lei, não propague desinformação e não comprometa a integridade eleitoral.
Além disso, é crucial observar as limitações legais para o uso de chatbots. Também é importante destacar que o uso de deep fake é totalmente proibido.
E, para garantir a transparência e a conformidade com as regras eleitorais, as aplicações de internet que veiculam propaganda eleitoral devem se registrar na Justiça Eleitoral.
Esclarecimentos: Os termos novos foram intencionalmente agrupados no texto acima para, quando da leitura dos conceitos, propiciar maior facilidade de contextualização, para dar uma dimensão inicial das inovações tecnológicas com impacto na propaganda eleitoral e para despertar a atenção do colega. Serão abordados cada qual a seu tempo.
Todos os assuntos serão tratados/mencionados. Adverte-se, por fim, que o artigo 37 da Resolução 23.610/2019 traz dezenas de conceitos. Mas muitos deles (a maioria) não são direcionados a juristas, mas sim a profissionais da área da tecnologia da informação.
Integridade eleitoral - qualidade do processo eleitoral conduzido de forma justa, transparente e livre de influências indevidas, incluindo medidas para prevenir fraudes, manipulações e qualquer forma de interferência que possa comprometer o pleito
Aplicações de internet - conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet (art. 37, VII da Resolução TSE 23.610/2019): sites, blogs, redes sociais, entre outras
Chatbot - programa de computador projetado para simular uma conversa humana, por meio de texto ou voz, para interagir com usuários e fornecer assistência, realizar tarefas específicas ou fornecer informações (atendimentos automáticos em sites e via whatsapp, por exemplo)
Conteúdo sintético - material, físico ou digital, criado artificialmente, com o emprego de tecnologia
Inteligência artificial - conteúdo sintético desenvolvido a partir de sistemas e algoritmos capazes de realizar tarefas que normalmente demandam a inteligência humana
Deep fake - técnica de emprego da inteligência artificial mediante a manipulação de vídeos ou imagens com o intuito de falsear a realidade, como, por exemplo, promovendo a substituição de rostos e a alteração de falas
Desinformação - qualquer conteúdo e meio de propaganda: A utilização, na propaganda eleitoral de qualquer modalidade veiculado por terceiros, pressupõe a verificação, pelo beneficiário, da correção da informação. Caso contrário, os responsáveis se sujeitarão ao direito de resposta concedido ao ofendido, sem prejuízo de eventual responsabilização criminal e multa prevista no art. 57-D, § 2º da Lei 9.504/1997, de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00, mediante representação. (arts. 9º, caput e 9º-H da Resolução TSE 23.610/2019).
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NA PRÁTICA
Propaganda eleitoral e vedação à responsabilidade objetiva: Não há responsabilidade objetiva em propaganda eleitoral irregular. A redação da lei é, em seguida, atenuada, ao mencionar o trabalho de agências de checagem cujas análises estarão disponíveis aos candidatos no site do TSE e serão o parâmetro utilizado para verificar se o dever de diligência foi atendido, podendo gerar presunção de responsabilidade (art. 9º, §§ 1º e 2º da Resolução TSE 23.610/2019).
Conteúdo sintético gerado por inteligência artificial: Neste caso, se o conteúdo for gerado para alterar a realidade, seja mesclando itens, substituindo, ou de outras formas, é necessário informar de forma explícita e destacada. Isso inclui o uso de chatbots e avatares, que não podem simular interações com candidatos ou pessoas reais (art. 9º-B, caput, §§ 1º e 3º da Resolução TSE 23.610/2019):
a) Para áudio: no início da veiculação;
b) Para imagens estáticas: com rótulo (marca d’água) e audiodescrição;
c) Para vídeo ou áudio e vídeo: no início da veiculação, com rótulo (marca d’água) e audiodescrição;
d) Para material impresso: em cada página ou face do material.
Não há necessidade de informar em casos como montagem de imagens em santinhos, logomarcas ou ajustes de imagem e som (art. 9º-B, § 2º da Resolução TSE 23.610/2019).
SANÇÕES (art. 9º-B, § 4º da Resolução TSE 23.610/2019):
Remoção do conteúdo ou indisponibilidade do serviço, independente de ordem judicial;
Eventual caracterização de abuso de poder, político ou uso indevido dos meios de comunicação social;
Crime do art. 323, I do Código Eleitoral;
Medidas decorrentes da irregularidade da propaganda e da ilicitude do conteúdo.
NA PRÁTICA
Identificação de conteúdo gerado por inteligência artificial: Se a regra se aplica a conteúdo gerado por inteligência artificial, como identificá-lo? Ouvi que a mão pode aparecer com seis dedos, que o cabelo pode parecer estar num mesmo plano, mas, com exceção do primeiro caso, nenhuma dessas e de outras dicas ajudou. Profissionais erram. Penso ter encontrado solução processualmente adequada ou, ao menos, defensável, para reverter o caso (que no momento da escrita ainda não é trabalhado em livros).
Ônus da prova: No contexto processual, o ônus da prova normalmente recai sobre a parte que faz a alegação. No entanto, em situações em que é impossível ou muito difícil para essa parte cumprir esse ônus, pode-se solicitar que a prova seja atribuída à parte representada (conforme o art. 373, § 2º do Código de Processo Civil).
Distribuição dinâmica do ônus da prova: Este é um conceito que sugere que o ônus da prova pode mudar dependendo das circunstâncias do caso. Em vez de falar em “inversão do ônus da prova”, que pode levar a uma ampla gama de interpretações, pode-se usar o termo “distribuição dinâmica do ônus da prova” para indicar que o ônus pode mudar com base no preenchimento de certas condições processuais.
Deep fake: A veiculação desse tipo de conteúdo, por si só, pode resultar na cassação do registro ou do mandato do candidato, pois configura abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. A punição é peremptória. Além disso, estão previstas medidas como a investigação do crime descrito no artigo 323, inciso I do Código Eleitoral e outras ações decorrentes da irregularidade da propaganda e da ilegalidade do conteúdo. Isso inclui uma multa que pode variar de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00, conforme estabelecido no artigo 57-D, parágrafo 2º da Lei 9.504/1997, mediante representação. A remoção do conteúdo é uma consequência lógica dessas medidas (arts. 9º-C, § 2º e 9º-H da Resolução TSE 23.610/2019).
Deep fake é a modalidade de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia, seja para beneficiar ou prejudicar candidatura (art. 9º-C, § 1º da Resolução TSE 23.610/2019).
NA PRÁTICA
Ação cível x ação penal eleitoral: As ações cíveis eleitorais, especialmente as de cassação, geralmente resultam em punições mais severas do que aquelas estabelecidas para os crimes eleitorais.
Obrigações dos provedores de aplicação de internet: Os provedores de aplicação de internet devem disponibilizar ferramentas de notificação e canais de denúncia facilmente acessíveis para cumprir sua responsabilidade social. Isso inclui (art. 9ª-D, caput, II, §§ 1º a 5º da Resolução TSE 23.610/2019):
a) não permitir a comercialização de impulsionamento ou priorização de conteúdo falso ou descontextualizado que possa prejudicar a integridade das eleições;
b) suspender, por iniciativa própria ou após denúncia, conteúdos suspeitos para investigação;
c) se necessário, publicar conteúdo esclarecedor nos mesmos moldes do conteúdo irregular;
d) cumprir integralmente as decisões judiciais relacionadas ao conteúdo.
NA PRÁTICA
Responsabilidade dos provedores de aplicação: Os provedores de aplicação serão solidariamente responsáveis, civil e administrativamente, quando não promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas que veiculem, entre outros: (i) fatos que atinjam a integridade eleitoral, inclusive os processos de votação; (ii) ameaça a autoridades; (iii) discursos de ódio e antidemocráticos (art. 9º-E da Resolução TSE 23.610/2019).
Vinculação de decisões em caso de ataque à integridade eleitoral: Será criado um repositório de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que incluirá tanto decisões favoráveis quanto desfavoráveis à remoção de conteúdo relacionado à integridade do processo eleitoral. Este conteúdo pode consistir em informações falsas ou gravemente descontextualizadas sobre o sistema eletrônico de votação, o processo eleitoral ou a Justiça Eleitoral.
Os juízes estarão vinculados aos precedentes estabelecidos, mesmo que o conteúdo tenha sido modificado, desde que sua essência seja mantida. Em casos assim, a ordem para retirar o conteúdo pode estabelecer um prazo inferior a 24 horas. O não cumprimento desta obrigação justifica o uso da reclamação eleitoral (consulte as ações eleitorais) (arts. 9º-F e 9º-G, caput e §§ 5º e 8º da Resolução TSE 23.610/2019).
Passa a se abordar a RESOLUÇÃO TSE 23.714/2022 - Vigente, aplicável, fruto do tempo em que a desinformação chegou a níveis alarmantes: prevê as mais altas multas do direito eleitoral. Com apenas 9 artigos, serão destacados três: arts. 2º, 3º e 6º, que prevêem aplicação de multa de R$ 100.000,00 (cem mil) e R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).
Não está prevista no site do TSE entre aquelas diretamente aplicáveis às eleições de 2024. Falha!
NA PRÁTICA
Casos: Sanção conhecida, eis os casos:
a) divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos (art. 3º, § 1º);
b) produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral, autoriza a determinação de suspensão temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais e a aplicação da multa (art. 4º);
c) desde quarenta e oito horas antes até vinte e quatro horas depois da eleição, a veiculação paga, inclusive por monetização, direta ou indireta, de propaganda eleitoral na Internet, em sítio eleitoral, em blog, em sítio interativo ou social, ou em outros meios eletrônicos de comunicação do candidato, ou no sítio do partido, federação ou coligação implica na obrigação de remoção pela plataforma mediante decisão judicial, sob pena de incidência da multa (art. 6º).